sexta-feira, 18 de março de 2011

música incolor e salgada produzida no canto dos olhos


Entrei no carro contendo o choro e papai logo me abraçou aflito, perguntando o que havia acontecido. “Joaquim”, respondi de olhos fechados, tocando de leve o arranhão na bochecha, “mais uma vez”. Depois da alfabetização, não imaginei que a vida pudesse ser ainda mais dura. Papai puxou-me pelo braço e fomos juntos à minha sala, atravessando a corrente de estudantes que avançava em sentido oposto. Estavam Joaquim e a professora sozinhos. Ela continuava lhe falando muito séria as mesmas coisas que todos os outros adultos lhe repetiam ao longo da semana. Papai pediu licença, soltou minha mão e foi até ele. Não lembro o que disse, mas dizia grave, enfurecido e vermelho, daquele jeito que raramente lhe ocorria. Ninguém, pelo menos ali na escola, havia ralhado com Joaquim tão terrivelmente. Ele só ouvia, sem conseguir olhar pra gente. Baixou a cabeça, juntou as mãos magrinhas sobre as coxas e eu vi que estava chorando. As palavras de papai começaram a doer em mim, que não pude deixar de pensar que Joaquim, assim como eu, era apenas uma criança.

(http://enquantocorposonoro.blogspot.com/)

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