Passou cola nas bordas do envelope. De tanta poesia todo o espaço da carta acabou. O que restava a ela era continuar a escrevê-las por fora mesmo, que a loucura de seus textos e de sua alma estavam em estado de impaciência. Um grito cursivo dos delírios do dia anterior. Detalhes fragmentados daqueles dias em que sentimos a eternidade em um momento, aquele no qual juramos que o futuro já sabemos. No meio de toda sentimentalidade que ali se pusera ainda coube uma foto. Foto essa que escolheu entre as muitas que tinha. A mais bonita, mais especial. A mais preciosa que a remetente pusera alguma vez na vida em um envelope. E assim terminada a carta com esse ato, mandaria seus segredos. Impossíveis para quem não ama ou para quem nunca amou.
Saiu cedo para o trabalho com o intuito de enviar sua alma. Colocou na caixa dos correios o envelope, seus anseios. E esperava já angustiadamente a reação do destinatário ao recebê-la nos dias que se seguiam. Um silêncio de duas semanas. Nenhuma manifestação até que se denunciou: “Você recebeu?”. Ficou pasma, pois carta nenhuma havia chegado ao destino premeditado. A central de correios, era lá que possivelmente a carta estaria quando não chegasse ao destino ou origem que saíra. Mesmo por algum erro seu praticado na nervura do momento teria de estar por lá. Suas confidencias lá não estavam. Resolveu então mandar outra, esta agora mais simples, comedida até – menos subserviente às emoções. Essa chegou ao destino. Após alguns dias – chegou. Da carta anterior teve que se esquecer. Por mais desejo que tivesse em recuperá-la não via nenhuma forma de isso acontecer.
Teve um dia que não pensou mais na carta. Até as emoções pelo amante já não se mostravam tão quentes quando da sua escritura. Nunca soube do paradeiro, a mesma perdeu-se de sua memória. Jamais conheceu o seu destino nem o do carteiro, que ao ver a carta na caixa, recolheu, leu e cuidadosamente separou-a das outras. Teve tanto carinho em guardá-la que o mesmo capricho lhe reservou em não a entregar. E ao ler e reler, o incenso que acende como um ritual lhe faz companhia. Sem coragem de enviar uma carta. Não tinha sequer o que julgava ousadia de passar olhando para a casa da remetente. Apenas ficou com ela. Apaixonantemente possessivo às letras que lá estavam. Recolheu para si o momento mais intenso, recolheu a eternidade de um sonho.
Márcio Araújo
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