domingo, 6 de julho de 2008

O nome dele era Cleyton. Gente humilde. Irmão de Rosa, diarista, cinco
filhos; um deles, recem saído do bucho, cheio de vermes.

Fez todas as reformas da casa de minha mãe e eu nunca havia notado o rosto dele, sequer
sabia, eu, o nome dele. O nome dele era Cleyton. Eu soube hoje. Enquanto
comia torradas com patê de alho. Há quanto tempo será que ele não comia?

Ele bebia. Eu também bebo, mas não para aquecer o frio causado pela fome
que mata meus filhos, não para esquecer que tenho uma mulher emprenhada em
cima da cama varada, herdada da mãe prostituta, que nunca suportara ver
filho nenhum chorando, de boca aberta e olhos semi-cerrados.

O nome dele era Cleyton. Eu não sabia. Mas ele sabia meu nome, ele conhecia minha
família, ele sabia onde eu morava, conhecia meu namorado e meu
temperamento. Eu não sabia nem sequer o seu nome.

Um dia precisei dele, subi ao morro, em busca de alunos para meu amigo que veio do Crato, berço do sol escaldante das quatro horas da tarde.
O nome dele era Cleyton. Prazer, o meu é Carol. Eu sei, menina, eu te
conheço. Cuidado com esses dois aí, venha p'ra cá. Aqueles dois ali são
assaltantes.

Minutos depois, vejo um policial batendo de faca de lâmina
dupla em um deles. Chorei. Nunca chorei tanto em minha vida. Engasguei. E
tudo o que eu queria era sair dali, era correr p'ra a minha casa, onde eu
sempre teria o pão e o patê, onde eu nunca morreria de fome.

O nome dele era Cleyton. Eu percebi então, que ele tinha olhos lindos. Azuis, tão serenos, tão densos, tão vastos. Eu quis
tocá-los, por serem assim, tão humanos. O que me faz lembrar do famoso
poeta que estava cansado de heróis e que queria ver gente de verdade.

O nome dele era Cleyton, e ele me ajudou, meio à sua pobreza. Sorriso meigo,
sem revolta. Pedreiro sim, como Pedro. Pedro de Chico Buarque.

O nome dele era Cleyton, morreu hoje, e foi sem poesia. Morreu de fome. Morreu de
velho. Morreu alcóolatra. Fechou os olhos azuis que tanto me encantaram.
O nome dele era Cleyton, analfabeto, honesto, trabalhador, morador do
conhecido Morro de Santa Teresinha. Aqui no bairro.

A casa dele era pequena, mal cabia ele e seu papagaio, mas mesmo assim, ele encontrava
espaço p'ras flores.

O nome dele era Cleyton, virou estatística, de um país onde a maior parte dos habitantes morre de inanição, onde a maior
parte mal sabe escrever o seu nome, onde a maior parte trabalha para
ganhar o pão, maldito pão, vendido três vêzes mais caro pelo patrão, que
explora o padeiro e dele ganha o verdadeiro salário.

O nome dele era Cleyton. E é de gente assim, que sinto falta. De gente que se conhece pelo
nome. De gente que cria flores. De gente que brinca com os bichos. De
gente que oferece ajuda. De gente que mesmo com fome e analfabeta,
trabalha, para educar e alimentar sua família. De gente que mora no morro
que prometi que não vou mais subir.

Não acredito em Deus, mas aprendi a rezar, em forma de poesia, e como não acredito em santos ou em qualquer
outra entidade espiritual, eu recito, para que algum poeta, em forma de
estrela, vigie todos os passos daqueles que amo e ilumine o caminho
daqueles que sobem o morro para enfrentar mais uma noite ou dia de guerra
e romaria.




Carolina Capasso

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